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Frederico Flores da Silva
DESENHO DE SOM NARRATIVO:
Uma abordagem interpretativa da trilha sonora do filme Apocalipse now
Curitiba - 2009
Frederico Flores da Silva
DESENHO DE SOM NARRATIVO:
Uma abordagem interpretativa da trilha sonora do filme Apocalipse now
Monografia apresentada como requisito
parcial para a conclusão do curso de
Música - Produção Sonora, Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes.
Universidade Federal do Paraná.
Professor Orientador: Prof. Dr. Norton Dudeque
Curitiba - 2009
" Uma coleção de discos e fitas pode conter
informações de culturas e perÃodos históricos
completamente diversos, que pareceriam, a qualquer
pessoa de outro século que não o nosso, uma
justaposição surrealista e sem sentido"
Murray Schaffer em A Afinação do Mundo
SUMÃRIO
A tabela de conteúdo está vazia porque nenhum dos estilos de parágrafo selecionados no Inspetor
de Documento está sendo usado no documento.
Lista de tabelas
Tabela 1: Principais eventos na trilha da cena Esperando em Saigon.....21
Tabela 2: Principais eventos na trilha da cena Dossiê de Kurtz...............26
Tabela 3: Principais eventos na trilha da cena Ponte Du Lung.................33
Resumo
Este trabalho é uma investigação a respeito das práticas envolvidas da concepção da trilha
sonora cinematográfica e como esta exerce uma função narrativa no filme Apocalypse Now de
Francis Ford Coppola. Utilizando-se de entrevistas e artigos publicados sobre o filme, e os conceito
apresentados por teoricos como Eisenstein, Rick Altman e o próprio Walter Murch, foram
apresentadas as relações feitas entre os sons e as imagens, e quais recursos técnicos foram utilizados
para realizar o desenho de som.
Abstract
This paper presents an historical investigation concerning soundtrack´s general concepts and
its narrative function in the movie Apocalypse Now by Francis Ford Coppola. Using interviews and
published articles about the movie, and the concepts presents by theorics like Eisenstein, Rick
Altman, and Walter Murch himself, it has been indicate the relationship between sounds and images
and the technical resources which made it possible to design the sound.
Apresentação
A iniciativa de realizar este trabalho partiu primeiramente do interesse pessoal sobre o
cinema e, especificamente, as trilhas sonoras, que apesar do seu poder de expressão, não parecem
estar recebendo a devida atenção por parte dos produtores, quando realizam seus filmes. O som
sempre influênciou a maneira como as histórias são contadas no cinema. Mesmo na época do
cinema mudo, quando a música era executada ao vivo nas salas, o som influênciou com a sua
ausência, obrigando os cineastas a desenvolverem uma linguagem visual que representasse o
universo sonoro. Durante todos os anos de desenvolvimento tecnológico, houveram poucos aqueles
que souberam explorar os sons em seus filmes, e Apocalypse Now segue até hoje como a melhor
aventura cinematográfica feita com essas frequências de 20 a 20.000 ciclcos por segundo.
Para esta pesquisa foi utilizado todo tipo de material disponÃvel sobre o filme. Entrevistas
com Walter Murch e Francis Ford Coppola publicadas em diferentes meios, artigos acadêmicos
sobre o filme e literatura especializada, que também foi referência para fundamentar os conceitos
sobre cinema.
Se durante este trabalho foi tomado algum ponto de vista pessoal, a respeito da interpretação
dos significados dos sons dentro do filme, o que se pretende demostrar, é que ali há um significado
a ser interpretado. E ao fim, o que se espera é contribuir com a discussão a respeito uso som de
forma narrativa (e não apenas realista1) dentro da obra cinematográfica.
1
"Todo o trabalho do cinema clássico e de seus subprodutos visou, portanto, espacializar os elementos sonoros oferecendo-lhes
correspondentes na imagem visual, o que garante uma combinação reduntante e simplista. Esta concepção de trilha sonora respeita a
linearização da narrativa e de seu impacto dramático para a obtenção dos efeitos realistas e da mobilização emocional do espectador.
Além disso, impôes o predomÃnio da voz sobre os outros elementos sonoros." CARVALHO, Márcia. A trilha sonora do
Cinema:Proposta para um "ouvir" analÃtico. Revista Caligrama. São Paulo: USP, vol.3, n. 1, janeiro-abril de 2007.
1. Introdução
Este trabalho explora o uso narrativo do som no cinema, aprofundando-se na concepção da
trilha sonora do filme Apocalypse Now2 (1979) de Francis Ford Coppola. Por trilha sonora
compreende-se um sistema sonoro expressivo que integra expressão oral, música, sons e silêncio 3.
O desenvolvimento deste trabalho será em duas seções, primeiramente uma introdução a
respeito do som no cinema que esclareça as principais questões envolvidas na produção da trilha
sonora de um filme e em seguida uma análise conceitual e prática da montagem sonora do filme
Apocalypse Now, expondo o seu contexto histórico e técnicas empregadas.
Desde a sua invenção, o cinema foi apresentado ao público com algum tipo de
acompanhamento sonoro 4, porém foi depois que os principais estúdios de Hollywood adotaram o
sistema fotoelétrico para embutir som no filme, e esse se tornou um padrão de sincronização entre
imagem e som, que os teóricos passaram a discutir sobre o assunto. Contrários a febre inicial do
chamados "filmes falados" que simplesmente reproduziam todos os sons gravados na hora de filmar
a cena, aproximando o cinema do teatro, e comprometendo a linguagem visual que havia sido
desenvolvida durante os anos do cinema “mudoâ€, alguns apontaram a necessidade de se pensar o
som independentemente das imagens. Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov escreveram em seu
Manifesto Sonoro: "O som, tratado como um novo elemento de montagem (como um fator
divorciado da imagem visual), irá inevitavelmente introduzir novos significados de enorme poder
para a expressão".5.
Logo vieram soluções que apontariam os novos rumos do cinema sonoro, a começar pelo
marco do expressionismo alemão, o filme O Vampiro de Dusseldorf6 (1931), considerado o
primeiro filme a utilizar o som dramaticamente7 , em que o diretor Fritz Lang utiliza um motivo
2
Direção: Francis Ford Coppola
3
BARBOSA, Alvaro. O Som em ficção cinematográfica. Universidade Católica Portuguesa.
som_para_ficção.pdf. Acessado em 9 de Outubro de 2009.
www.abarbosa.org/docs/
4
CAVALCANTI, Alberto. Sound in films. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and Pratice. New York.
Columbia University Press, 1985; p. 98.
5
EINSENSTEIN, PUDOVKIN, ALEXANDROV. A Statment. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and
Pratice. New York. Columbia University Press, 1985; p. 83.
6
Direção: Fritz Lang.
7
MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema.São Paulo: Perspectiva:Fapesp, 2003. p. 143.
musical assoviado pelo personagem do assassino para representá-lo, sem a necessidade de sua
imagem, assim expandindo o campo visual no imaginário do expectador.
"O som sincronizado dentro do filme mudou radicalmente o cinema, "a estabilização
da velocidade de projeção, feita necessária pela vinda do som, teve conseqüências que foram
além do que qualquer um poderia ter previsto. O tempo fÃlmico não era mais um valor
flexÃvel, mais ou menos transposto dependendo do ritmo da projeção. O tempo ganhou um
valor fixo; O cinema sonoro garantiu que x segundos na edição teriam a mesma duração na
exibição. No cinema mudo uma tomada não tinha uma duração interna exata; folhas
balançando ao vento ou ondas na superfÃcie da água não tinham uma temporalidade absoluta
ou fixa. Cada sala tinha uma certa margem de liberdade em ajustar a velocidade da projeção.
Não é coincidência que a mesa de editar motorizada com sua velocidade padrão (a moviola),
não tenha aparecido até a era do cinema sonoro." 8
Em poucos anos após, a introdução desta nova tecnologia, toda a indústria cinematográfica
adota o som sincronizado em suas produções, e nasce o conceito de montagem sonora que ganhará
cada vez mais importância, enquanto são desenvolvidas as técnicas de gravação, edição e mixagem.
"Com o decorrer do tempo, o uso do som aliado à montagem fÃlmica vai
adquirindo graus maiores de sofisticação, na medida em que os sub-elementos constitutivos
do som são destrinchados e trabalhados. Não somente as caracterÃsticas de um som são
“exercitadas†- timbre, altura, intensidade, etc. - , mas também os diferentes elementos
sonoros - diálogos, música, ruÃdos/efeitos, ambiência - são combinados, contribuindo com
novas e variadas possibilidades para a gramática fÃlmica". 9
Foi investigado no filme objeto de nossa pesquisa a capacidade que a sua trilha sonora tem
de representar o universo internos dos personagens, complementar a narrativa da roteiro e expandir
o campo imagético das cenas. Uma das caracterÃsticas de Apocalypse Now, é que o seu editor
sonoro, Walter Murch, também foi o editor das imagens, garantindo unidade de pensamento que
favoreceu a rica concepção de contraponto entre as trilhas visual e sonora presentes no filme.
Coppola (diretor do filme) e Walter Murch, são representantes da primeira geração de
cineastas, vindos da academia, a ingressarem na indústria americana. A forma inovadora de como a
trilha de Apocalypse Now foi composta, em especial a importância atribuÃda aos ruÃdos, encontra
alguns precedentes na história do cinema, porém
"mesmo depois da evolução tecnológica do som, o preconceito cultural contra o
ruÃdo continuava. Os elementos formadores da trilha sonora cinematográfica
tradicionalmente seguiam funções especÃficas e obedeciam a uma ordem hierárquica (...)
8
CHION, Michel. Audio-Vision: Sound on screen. New York: Columbia University Press. p. 8.
9
MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema.São Paulo. Perspectiva. Fapesp. 2003. p. 110.
Walter Murch rompeu com essa tradição, fazendo com que qualquer estÃmulo sonoro
pudesse servir para acentuar tanto o caráter verossimilhante como o caráter emocional da
obra, seja ela música, ruÃdo ou vozâ€. 10
É também atribuÃdo a Walter Murch o cunho da expressão Sound Designer (desenhista de
som) para alguém responsável pela direção artÃstica da concepção timbrÃstica e formal dos sons de
um filme.
Após a breve análise realizada neste trabalho, será possÃvel compreender porque a trilha
sonora de Apocalypse Now se tornou referencial na história do cinema, sendo considerada uma
“escultura†feita de matéria sonora; gravada, processada, misturada e editada resultando em uma
obra completa, que pode ser apreciada a parte das imagens do filme, e juntas, compõem umas das
mais gratificantes experiências cinematográficas já registradas.
10
MENDES, Eduardo S. Walter Murch: a revolução da trilha sonora cinematográfica. São Paulo, Revista Significação. Annablume.
Eca/USP. 2006. p. 192.
2. O Som no Cinema
2.1 Desenvolvimento Tecnológico
As primeiras projeções públicas de cinema foram acompanhadas pelos ruÃdos emitidos pelo
projetor em funcionamento e, provavelmente as vozes da platéia, logo veio o acompanhamento
musical dos fonógrafos. "O ruÃdo do projetor se afigurava não só desagradável e perturbador, mas
acentuava, de modo drástico, o desumano e mecânico do espetáculo (...) a música, pela magia que
lhe é própria, conseguiu exorcizar a angústia dos espectadores".11 CaracterÃstica também das
primeiras exibições, como mais um recurso para entreter a platéia, eram os performáticos
comentaristas, que chegavam inclusive a encenar diálogos para os personagens na tela12 . Conforme
os filmes passaram e ser exibidos para públicos maiores, a voz de uma pessoa e a música dos
fonógrafos não eram suficientemente volumosos para preencher toda a sala, logo, a figura dos
comentaristas ficaria reservada as salas modestas das pequenas cidades e lugares onde havia a
preocupação de assimilação do cinema, um produto importado, como no caso do Japão onde
existiam comentaristas conhecidos como Benshis 13. Com o aumento em capacidade de público das
salas, surgiu a música ao vivo e conforme os filmes passaram a ser mais longos, o número de
músicos evoluiu de um simples piano para pequenas orquestras (onde existiam recursos), que
executavam temas que reforçassem o caráter emocional de cenas, motivos musicais especÃficos para
cada personagem e improvisos acompanhando o ritmo do filme. Efeitos sonoros como sons de
veÃculos, barulhos de animais e outros, eram reproduzidos utilizando um órgão elétrico com teclas
especiais de efeitos, por instrumentos musicais e até por pessoas encarregadas especificamente da
"sonoplastia" ao vivo, percutindo variados objetos.
11
MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema. São Paulo. Perspectiva. Fapesp. 2003 p.27 .citando: ROSENFELD, Anatol.
Cinema: Arte & Indústria. São Paulo. Perpectiva. 2002.
12
CAVALCANTI, Alberto. Sound in films. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and Pratice. New York.
Columbia University Press, 1985; p. 98.
13
MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema. São Paulo. Perspectiva. Fapesp. 2003. p. 26.
Diversos inventores tentaram criar um sistema que sincronizasse som gravado com
as imagens projetadas. Douglas Gomery, em seu artigo The Coming of Sound14 , expõe que houve
tentativas com resultados significantes já em 1907, porém motivos comerciais adiaram o
surgimento de um sistema aperfeiçoado para o final da década de 1920. O grande sucesso de crÃtica
e público The Jazz Singer 15 de 1927, que utiliza a tecnologia sound-on-film16 para sincronizar a
trilha de som com as imagens, gerou uma rápida conversão nos estúdios, que em poucos meses se
reformaram com isolamento acústico e aquisição de novos equipamentos, adotando o sound-on-film
como a primeira tecnologia padrão do cinema sonoro, sendo esse considerado o marco do seu
surgimento.
"A historia inicial do som nos filmes é marcada pelas limitações dos microfones
condensadores de carbono então usados. Não direcionais, frágeis, sensÃveis ao vento e outros
ruÃdos ambientes, necessitando de um estágio de amplificação muito próximo ao microfone,
esses microfones requisitavam condições muito especiais. Prover essas condições
influenciava também a gravação de imagens 17".
Como o som na tecnologia sound-on-film era registrado fotoelétricamente18 , o
desenvolvimento tecnológico que permitiria mais definição acompanhava também a qualidade
técnica dos negativos de filmes, que deram um salto de qualidade na década de 1930. O avanço das
técnicas de gravação e qualidade dos projetores das salas de exibição possibilitou cada vez mais
ousadia na concepção das trilhas, que passaram a suportar mais sons ao mesmo tempo sem que tudo
soasse uma grande confusão, porém, a verdadeira independência do som das imagens, pelo menos
em termos técnicos, veio com as fitas magnéticas, disponÃveis ao fim da segunda guerra mundial19 ,
permitindo que um número infinito de fontes sonoras fosse registrado, editado e mixado. A partir da
era magnética o cinema, a rádio e a industria musical, compartilhavam o mesmo meio de registro
sonoro, e o salto tecnológico passou a ser triplo. Logo, mesas de mixagem com multi-pistas e
inúmeros recursos da engenharia sonora, estariam disponÃveis permitindo que se elaborarem trilhas
14GOMERY,
Doulgas. The Coming of Sound. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and Pratice. New
York. Columbia University Press, 1985; p. 5.
15
Direção: Alan Crosland. Hoje reconhecido como o marco inicial do cinema sonoro.
16
Sistema fotoeletrico em que o som é registrado em negativo de filme óptico.
17
18
19
ALTMAN, Rick. Evolution of Sound Technology. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and
Pratice. New York. Columbia University Press, 1985; p. 46.
Ou seja, em filme fotográfico.
ALTMAN, Rick. Evolution of Sound Technology. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound: Theory and
Pratice. New York. Columbia University Press, 1985; p. 46.
sem limites para a imaginação. Embora experimentos muito avançados já haviam sido feitos na era
do som fotoelétrico, tanto em montagem, como em desenho sonoro. Por exemplo, a trilha do filme
Rapt20 de 1933, em que o compositor Arthur Hoérée antecipou práticas da música concreta (e do
que viria a ser realizado no futuro do cinema) ao realizar uma elaborada edição sonora de trovões,
estouros e outros sons (também pioneiro em utilizar sons reversos) para criar uma tempestade
assustadora21. Este trecho pode ser conferido em vÃdeo no anexo. Revolucionárias também foram as
chamadas peças de animação sonora, que eram sons criados a partir de desenhos e padrões
geométricos nos negativos de filmes, feitos diretamente a mão ou fotografados, que ao serem
interpretados pelo leitor ótico resultavam em sons completamente originais, sendo um precursor da
sÃntese sonora e da música eletroacústica. No anexo está um pequeno documentário sobre Norman
Mclaren, pioneiro e difusor da animação sonora. Ainda na década 1930 o russo N.V. Voinov
conseguiu com essa ténica reproduzir sintéticamente o prelúdio em C# menor de Rachmaninoff e
Moments Musicaux de Schubert22, embora essa técnica tenha se mostrado muito precisa rÃtmica e
tonalmente, a animação sonora parece ter sido usada majoritariamente para a trilha de desenhos e
filmes abstratos. O uso de sons sintetizados para compor ruÃdos e música só foi realmente usado
pelo cinema décadas mais tarde com o surgimento dos primeiros sintetizadores portáteis, sendo o
filme Apocalypse Now uma referência em trilha musical sintetizada.
Como apontam alguns teóricos23 a segunda revolução sonora do cinema foi na década de
1970 com a adoção do sistema Dolby24 em filmes de Rick Altman e Coppola. Este sistema de
redução de ruÃdos, que foi introduzido primeiramente na indústria musical, quando adaptado ao
cinema elevou a trilha sonora a um nÃvel de fidelidade praticamente impossÃvel de ser distinguido
da realidade. Com o uso do Dolby foram possÃveis grandes variações de volume entre os sons,
permitindo momentos de quietude alternados com grandes impactos sonoros. Também a ausência
de chiado na reprodução da fita magnética, junto com as modernas salas isoladas e projetores
silenciosos, introduziram pela primeira vez no cinema o verdadeiro silêncio.
20
Direção: Dimitri Kirsanov. Ver anexo.
21
JAMES, Richard S.Avant-Garde Sound-on-Film Techniques and their Relationship to Electro-Acoustic Music. Oxford
University Press. 1986.
22
JAMES, Richard S.Avant-Garde Sound-on-Film Techniques and their Relationship to Electro-Acoustic Music. Oxford University
Press. 1986.
23
SCHREGER, Charles. Altman, Dolby and the Second Sound Revolution. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound:
Theory and Pratice. New York. Columbia University Press, 1985; p. 348.
24
Sistema de redução de ruÃdos para fitas analógicas.
2.2 Desenvolvimento Conceitual
Como visto, o perÃodo conhecido como cinema mudo teve um rico acompanhamento
sonoro, porém este pertencia às salas de exibição, e os diretores apesar de terem consciência de que
sua obra seria exibida com música, alguns efeitos e talvez até vozes emitidas por atores atrás das
telas, não tinham controle sobre o que o público iria ouvir, portanto, a linguagem fÃlmica teve que
ser desenvolvida completa independente desses sons.
O filme Metropolis25 (1927)de Fritz Lang, teve uma trilha musical original para orquestra
composta por Gottfried Huppertz e também redução desta trilha para piano solo destinada aos
cinemas menores que não dispunham de orquestra. Mas mesmo no caso de uma grande produção
como esta, o ambiente sonoro das salas era um complemento à experiência, da qual o filme não
podia depender. No cinema mudo, os sons que integram o enredo, como um telefone a tocar ou uma
sirene que perturba os funcionários de uma fábrica26, são sugeridos por imagens. "O cinema mudo
estabeleceu alguns procedimentos para exprimir os sons: o mais corrente era mostrar em plano
próximo a imagem de sua fonte, sino, animal, instrumento de música - como um insert voltando
periodicamenteâ€.27 A necessidade de que o ambiente da cena seja "ouvido" dentro do espectador
contribuiu com esta e várias outras técnicas de decupagem e edição para a linguagem do cinema.
Estas, num primeiro momento do cinema sonoro, se viram ameaçadas pela febre dos "filmes
falados" , onde se reproduziam todos os sons do momento da gravação, em parte por não se ter
ainda uma técnica para editar a trilha sonora, e também pelo grande número de diretores de teatro
que invadiram os estúdios do cinema, com a idéia de que fazer filmes sonoros seria como filmar
uma peça teatral, o que apenas evidenciou que a nova tecnologia precisava também de uma nova
linguagem.
O surgimento do som na época em que o cinema vivia uma grande efervescência cultural
deu origem a algumas das mais ricas considerações a respeito do uso do seu uso.
"Por Volta de 1929, o número de publicações dedicadas à teoria do cinema indica
que uma significativa comunidade mundial considerava o cinema poderosa forma de arte.
Estetas apareceram por toda a parte para debater a nova direção que o cinema deveria tomar
25
Direção: Fritz Lang
26
Exemplo presente no filme: A Greve, de Sergei Einsenstein.
27
MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema. São Paulo. Perspectiva. Fapesp. 2003. p. 47; citando CHION, Michel. Le
Son au Cinema. Paris, Chiers du Cinema. Editions de L'Etoile. 1994. p.25.
depois que o som perturbara seu equilibro. Todo esse debate ocorreu numa atmosfera
definitivamente formativa.
Paradoxalmente, a chegada do som parece marcar o declÃnio da grande era da teoria
formativa do cinema. No entanto, por volta de 1935 já era considerado certo em quase todos
os cÃrculos cultos que o cinema era uma arte, independente de todas as outras artes, mas
tendo em comum com elas o processo de transformação através do qual um assunto banal
torna-se uma declaração eloqüente e brilhante".28
Se os experimentos com som no inÃcio do cinema sonoro anteciparam algumas práticas e
acabaram influenciando a música do modernismo, a partir da era da fita magnética seriam conceitos
da música concreta e eletroacústica que mudariam a forma como eram concebidas as trilhas sonoras
de cinema, atenuando a tradicional distinção entre música, fala e ruÃdo, quando os sonoplastas
passaram a se perguntar;
"É o grito fala ou ruÃdo? É a música eletrônica ruÃdo também?†No filme Psicose29 (1960),
quando a mulher grita, nos esperamos ouvir uma voz mas ao invés disso ouvimos violinos
"gritantes".30
O músico Pierre Schaeffer, conhecido como pai da música concreta, esteve envolvido com
som de rádio e cinema e publicou ainda em 1946 uma série de três artigos na revista Revue du
Cinema sobre “o elemento não visual do cinemaâ€, onde ele fez uma representação gráfica da trilha
de ruÃdos em fução do tempo, uma espécie de partitura para os ruÃdos (junto com diálogos e
música), e comenta sobre a importância da elaboração de sons inéditos contra o costume de usar
sons provindos de bancos sonoros, que era a prática da época31. Alguns anos mais tarde o seu
conceito de objeto sonoro publicado em o Tratado dos Objetos Musicais, se tornou referência para
a montagem sonora narrativa.
“Existe objeto sonoro quando eu tiver completado, ao mesmo tempo materialmente e
espiritualmente, uma redução ainda mais rigorosa que a redução acusmática, Não apenas me
restrinjo às informações fornecidas pelo meu ouvido (materialmente, o véu de Pitágoras seria
suficiente para obrigar-me a isso), mas tais informações já dizem respeito apenas ao evento
sonoro em si mesmo. Não procuro mais, por seu intermédio, obter informações sobre outra
coisa (o interlocutor e o seu pensamento). É o próprio som que eu viso, é a ele que
identificoâ€.32
28 ANDREW,
29
30
J. Dudley. As Principais Teorias do Cinema sonoro: Uma introdução .Rio de Janeiro. Zahar editor. 2002. p. 23.
Direção: Alfred Hitchcock.
BORDWELL and THOMPSON. Fundamental Aesthetics of Sound. em: WEIS, ELISABETH e BELTON (Org). Film Sound:
Theory and Pratice. New York. Columbia University Press, 1985; p. 186.
31
SCHAEFFER, Pierre. L’élement non visual au cinéma. Revue Du cinema.Paris. Zed. 1946 p 45.
32
SCHAEFFER, Pierre. Tratado do Objetos Musicais. BrasÃlia. Edunb.1993. p. 242.
O que levou Walter Murch, Coppola e os outros cineastas de sua geração a proporem uma
nova maneira de se pensar o som no cinema, concebendo toda a trilha sonora (e não apenas alguns
momentos) cheia de significados nos timbres dos ruÃdos e na escolha de qual sons serem incluÃdos
ou não (rompendo com a tradicional abordagem verossimilhante), tem a ver com o influência que as
escolas de cinema exerceram sobre a idústria33. Esta presente em seus filmes a bagagem cultural das
experimentações que vinham sido realizadas nas trilhas de filmes independentes e academicos. O
surgimento de cursos especÃficos, dentro das universidades, permitiu o contato com professores que
participaram do cÃrculo de discussões que existiu na época da consolidação do cinema sonoro,
influênciando suas futuras aulas de uma maneira sonoro-consciente, logo, despertando em muitos
de seus alunos a vontade de elevar a produção sonora da indústria a um novo patamar.
2.3 Walter Murch e Apocalypse Now
Sabe-se que Apocalypse Now é um dos filmes mais importantes da historia do cinema, pela
sua qualidade tecnica, contexto social, aprovação da crÃtica e sucesso de público. Tudo isso graças
ao exelente trabalho de todos os profissionais envolvidos. O cinema é um tipo de arte industrial,
involve muitas pessoas e investimento. Porém, a maior inovação de Apocalypse Now está na sua
trilha sonora. Foi o primeiro filme a apresentar o som distribuido em 5 canais (mais uma caixa de
sub-graves) dentro da sala de exibição. Este formato, hoje um padrão da indústria, propicia uma
grande imersão do espectador no filme, mas para tanto requer muito mais dedicação na concepção
da trilha sonora.
Walter Murch trabalhou cada ruÃdo do filme de uma maneira especial, gravando ou
sintetizando os sons, com as últimas tecnologias da época, utilizando tempo e recursos encontrados
em rarÃssimas produções do cinema;
“Eu fui muito influenciado pela música concreta quando a conheci aos 10 anos de
idade, e fiquei completamente encantado pela idéia de que você poderia fazer música a partir
de sons. O que desde então tem sido uma constante influência sobre todo o meu trabalho.
Mas os filmes que eu havia feito antes de "Apocalypse Now" tinham sido todos em mono
("American Graffiti", "A Conversação"). Aqui não era apenas um filme estéreo, mas todo um
33
Walter Murch é graduado na escola de Artes Liberais da Universidade de Johns Hopkins e também na escola de cinema da USC
(Universidade so Sul da Californa). Coppola estudou cinema na UCLA (Universidade da Califórnia de Los Angeles)
novo formato 34 . Foi como saltar de uma tribo da idade da pedra para o meio de
Streetâ€. 35
Wall
Declarou Walter Murch em uma entrevista, na qual ele também explica que devido à s
adversas condições de filmagem, todo o som do filme foi criado e adicionado depois, uma prática
que também foi posteriormente adotada pela indústria.
“Apocalypse Now retrata o poderoso impacto que a guerra teve na consciência americana
(...) a sensação de estar imerso no campo de guerra é tão vÃvida e convincente que é como se nos
estivéssemos assistindo um filme sobre este tema pela primeira vez.â€36 . Isto é resultado das
inovações conceituais e tecnológicas que só foram possÃveis porque o filme foi produzido na
produtora independente criada pelo próprio Copolla, a Omni Zoetrope. Qualquer grande produtora
de Hollywood não daria tanta importância e crédito para a trilha sonora. O processo de criação e
implementação de um avançado sistema de edição de som é contado por Walter Murch em seu
artigo “Stratching sound to help mind seeâ€:
"Em 1969 eu fui contratado para criar os efeitos sonoros e mixar The Rain People,
um filme escrito, dirigido e produzido por Francis Ford Coppola. Ele era um recém formado
na escola de cinema, como eu, e nos estávamos ansiosos para fazer filmes profissionalmente
na maneira como fazÃamos na escola. Francis achava que o som de seu filme anterior, Finian
´s Rainbow, tinha sido prejudicado pela burocracia e inércia tecnológica dos estúdios, e ele
não queria repetir aquela experiência. Ele também sentia que se ficasse em Los Angeles não
seria capaz de produzir o tipo de filme independente que ele tinha em mente. Então ele, seu
colega de classe George Lucas, eu, e nossas famÃlias, nos mudamos para São Francisco para
dar inicio a Omni Zoetrope. E o primeiro item na agenda era a mixagem de The Rain People
no inacabado escritório em um velho galpão na rua Folsom. Dez anos antes isto seria
impensável, mas a invenção do transistor mudou as coisas tecnologicamente e
economicamente de tal maneira que parecia natural que Francis com 30 anos de idade fosse
para a Alemanha comprar, quase que a vista, um equipamento de mixagem e edição da
K.E.M. em Hamburgo, e me contratar, então com de 26 anos, para usá-la.(...). Desde o seu
inicio a idéia da Zoetrope era de evitar o departamentalismo que era um subproduto da
complexidade da tecnologia sonora, que costumava colocar os mixadores contra as pessoas
que criavam os sons. (...). Nós sentimos que não havia razão para que a pessoa que
desenvolve-se a trilha sonora não pudesse também mixala, e que o diretor pudesse conversar
com ela, o desenhista sonoro, sobre o som do filme da mesma maneira com que ele
conversava com o diretor de fotografia sobre a aparência do filme. 37"
34
Em Apocalypse now o som foi dividido entre três caixas de som a trás da platéia (uma na esquerda, uma ao centro e uma a direita),
duas caixas frontais (uma a esquerda e outra a direita) e uma caixa de reforço de freqüências sub-graves, ao centro, sob a tela.
35SRAGOW,
Michael. A conversation with Walter Murch http://archive.salon.com/ent/col/srag/2000/04/27/murch/index.html. Data
de acesso: 25 de junho de 2009.
36
KINDER, Marsha. The Power of Adaptation in “Apocalypse Nowâ€. Film Quarterly. Vol 33. No.2. University of California Press.
37
MURCH, Walter. Stretching Sound to Help the Mind See. http://filmsound.org/murch/stretching.htm, data de acesso: 25 de junho
2009.
A sequência de sucessos de crÃtica e público produzidas pelo Zoetrope, como O Poderoso
Chefão38 (1972) e A Conversação39 (1974), deram credibilidade para Copolla se aventurar no seu
mais ambicioso projeto que foi Apocalipse Now, que já vinha sendo arquitetado desde a criação da
Zoetrope.
O argumento original foi escrito por John Milus em 1969, e é uma adaptação da história do
livro Coração das Trevas, para a guerra do Vietnam. A inspiração do tÃtulo do filme veio de um
mote popular, geralmente escrito em camisetas no fim da década de 1960, Nirvana Now40 . O filme
foi filmado nas Filipinas, pelas suas florestas semelhantes as do Vietnam, e a possibilidade de
reduzir custos. Porém, a sua produção atrasou em 3 anos devido a diversos contratempos que quase
levaram Copolla a loucura e a sua produtora a falência. A história da produção do filme, vista do
ponto de vista pessoal do diretor, pode ser vista no documentário Hearts of Darkness: A
Filmmaker's Apocalypse41 . O resultado das filmagens levou dois anos para ser editado por Walter
Murch e sua equipe, sendo 1 ano para a edição de imagens e 1 ano para a trilha sonora.
Em seu livro, Num Piscar de Olhos, Walter Murch explica porque Apocalypse Now levou
tanto tempo para ser editado;
“Quanto mais material houver para trabalhar, mais alternativas tem de ser
consideradas, uma vez que um maior leque de opções exige naturalmente mais tempo de
consideração. Isso é verdade para qualquer filme com uma média alta de material filmado,
mas no caso particular de Apocalypse Now o problema foi maior pela função da temática
delicada de que tratava, de uma estrutura cuidadosa e original, das inovações tecnológicas
em todos os campos e da obrigação que todos os envolvidos sentiam de fazer o melhor
trabalho de que eram capazes.â€42
A primeira versão do filme foi apresentada no festival de Cannes, como uma obra inacabada,
em seu discurso Coppola disse não se tratar de um filme sobre o vietnam, mas sendo “o próprio
Vietnamâ€. Em 2000 a equipe se juntou novamente para realizar uma nova edição do filme, com 40
minutos a mais de duração ,chamada de Apocalypse Now Redux, é sobre esta versão que é realizado
este estudo.
38
Direção: Francis Ford Coppola
39
Direção: Francis Ford Coppola
40
COWIE, Peter.Coppola. New York: Da Capo Press.1991
41
Direção: Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola.
42
MURCH, Walter. Num piscar de olhos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2004. p.16.
3 Trilha Sonora de Apocalypse Now
3.1 Relação entre Som e Imagem
Tendo situado históricamente, alguns detalhes técnicos e conceituais da trilha sonora de
cinema na primeira seção deste trabalho, agora será lançado um olhar especÃfico sobre a trilha
sonora do filme Apocalypse Now. Sendo o cinema uma forma de arte constituÃda de fotografia,
música, artes plásticas e teatro, não se pode isolar essas partes e estuda-las de forma independente,
porque, é nessa coletividade de informações (que alguns autores chamam de contraponto) onde está
a sua própria caracterÃstica, uma forma de arte coletiva. A abordagem aqui será dos ponto de vista
da narrativa, concentrando nas relações que são feitas entre a trilha sonora, as imagens e o roteiro.
Por trilha sonora, compreende-se todas as informações sonoras, que assim como os constituÃntes do
cinema como um todo, também não devem ser análisadas isoladamente, enquanto a sua
expressividade tenha sido concebida no conjunto desses elementos, sendo assim:
"O sistema expressivo sonoro integra quatro variantes: expressão oral, música, sons
e silêncio.
a) Expressão oral - Saussure (1916) concebe a palavra como um signo que une um
conceito e uma imagem acústica. Para o autor, as relações que o signo mantém com a
realidade são absolutamente convencionais. No entanto, interessa também destacar os
fenómenos paralinguÃsticos que se produzem na realização dos actos de fala - entoação,
inflexões, modulações de voz.
b) Subsistema de música - Integra uma diversidade de timbres próprios dos
instrumentos (acústicos, electro-acústicos e electrónicos) e da voz humana. A música
introduz uma subjectividade emotiva, evoca o não discursivo, o não figurativo. "O seu modo
de significação é pansémico, quer dizer, admite tantos significados possÃveis quantos os
ouvintes que a escutam" (Cebrián Herreros, 1995: 361).
c) Subsistema de sons - Integra os sons não icónicos (usualmente designados ruÃdos),
pois não permitem identificar qual a fonte que os emite, e os sons icónicos, os quais
produzem uma imagem acústica que remete para uma determinada realidade. Os sons
distribuem-se ao longo do que poderÃamos chamar uma escala de iconicidade; "o som
icónico sobrepõe-se à s falas e à s lÃnguas (...) Está integrado por signos auditivos dimanados
dos objectos, animais e pessoas nos seus movimentos e acções. Aporta um elevado grau de
iconicidade à informação" (idem: 363).
d) Subsistema do silêncio - Entendemos por silêncio a sensação de ausência de som,
um efeito perceptivo que se produz por um determinado tipo de formas sonoras. O efeitosilêncio é, por vezes, carregado de significação. Rodriguez Bravo (1998: 153-154) distingue
três usos expressivos:
1 - Uso sintáctico - Quando os efeitos-silêncio se utilizam para organizar e estruturar
os conteúdos visuais, isto é, quando actuam simplesmente como instrumento de separação.
2 - Uso naturalista - Quando se utilizam como imitação restrita da realidade
referencial. Os efeitos-silêncio expressam informações objectivas muito concretas sobre a
acção narrada.
3 - Uso dramático - Utilização consciente do efeito-silêncio para expressar algum
tipo de informação simbólica. Exemplo: morte, suspense, vazio.43"
Pode-se considerar toda a composição da trilha sonora uma espécie de composição musical,
como a música concreta? Provavelmente não porque não se destina a ser apreciada por si própria
sem as imagens, mas o que seria então este trabalho de composição e como pode ser classificado ?
“Quando a criança ainda não aprendeu a falar, mas já percebeu que a linguagem
significa, a voz da mãe, com suas melodias e seus toques, é pura música, ou é aquilo que
depois continuaremos para sempre a ouvir na música: uma linguagem em que se percebe o
horizonte de um sentido que no entanto não se discrimina em signos isolados, mas que só se
intui como uma globalidade em perpétuo recuo, não verbal, intraduzÃvel, mas, à sua maneira,
transparente.â€44
43 BARBOSA,
Alvaro. O Som em ficção cinematográfica. Universidade Católica Portuguesa. www.abarbosa.org/docs/
som_para_ficcao.pdf. Acessado em 9 de Outubro de 2009.
44
WINSNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo. Companhia das Letras. 1989. p. 30.
Está passagem do livro O Som e o Sentido, contribui para a reflexão sobre que singnificados
busca-se encontrar nesta análise. É a trilha sonora uma linguagem? Ou um “sentido intraduzÃvel,
mas a sua maneira transparenteâ€, como a própria música?
Para este estudo, enquanto é exposta a relação entre as trilhas sonoras e visuais, o primeiro
critério de organização será a sua correpondencia com algum objeto da cena e a narrativa, ou seja, a
sua relação com a diegese, e em segundo lugar o desenvolver da sua sonoridade, no que pode-se
chamar de “poética timbrÃsticaâ€.
Em seu artigo Teaching the Soundtrack, a teórica de cinema Claudia Gorbmann propôs que
na perspectiva narrativa, um elemento da trilha sonora pode ser diegético, não diegético ou meta
diegético45. Sendo:
Diegético: sonoridades objetivas / pertencente ao universo sonoro dos personagens (cena).
Não diegético: sonoridades subjetivas, que complementam a interpretação da cena
Meta-diegético: sons subjetivos, pertencente ao universo interior dos personagens, onÃricos.
Todos os sons podem ainda estar ou não presentes do campo visual, estando ou não em
sincronia.
No filme Apocalypse Now, Walter Murch compôs a trilha sonora da forma que “qualquer
estÃmulo sonoro podesse servir para acentuar tanto o caráter verossimilhante como o caráter
emocional da obra, seja ele música ruÃdo ou voz.â€46 E uma das formas como ele atinge esse objetivo
é justamente interpolando a perspectiva narrativa de um som (geralmente através da mudança de
seu timbre). Por exemplo na cena 17 (insatisfação)47 em que os personagens estão em um barco
ouvindo um rádio, inicialmente o som desse rádio é diegético, ouve-se um locutor dando notÃcias, e
o timbre é caracterÃstico do alto falante de um pequeno rádio (predominância de frequências
médias, sem graves e agudos). Logo começa a tocar a música Satisfaction 48, e os soldados começam
a cantar e dançar, enquanto que aos poucos o timbre da música vai ganhando frequencias graves e
agúdas, e intensidade de volume, passando ao primeiro plano da trilha sonora. Assim a música
deixa de ser verossimilhante com o cenário, transitando de diegética para não-diegética, indicando
a imersão dos personagens na audição musical, reforçando a idéia do seu estado emocional de
45 BARBOSA,
Alvaro. O Som em ficção cinematográfica. Universidade Católica Portuguesa. www.abarbosa.org/docs/
som_para_ficcao.pdf. Acessado em 9 de Outubro de 2009.
46MENDES,
Eduardo S. Walter Murch: a revolução da trilha sonora cinematográfica. São Paulo, Revista Significação. Annablume.
Eca/USP. 2006. p.192
47
Minutagem 1:14'30".
48
Banda: Rolling Stones
exaltação. Uma semelhante transição de planos acompanhando o estado do personagem também é
realizada com um som de helicoptero na primeira cena49 , quando o barulho das hélices transitará de
um som sintetizado (e meta-diegético) para um som realista (e diegético, o helicptero não aparece
em cena, mas é sugerido que este sobrevoa o prédio) no momento em que Willard acorda do seu
devaneio e levanta-se da cama.
Em muitos momentos do filme também opta-se por não incluir todos os sons naturalistas de
cena (chamados de som de Foley50 ), para reforçar o aspecto onÃrico (dando espaço para música e
sons meta-diegéticos) ou então para criar um ambiente sonoro indêntico ao qual o personagem
estaria ouvindo na realidade, reproduzindo a chamada atenção seletiva51 do ser humano, como, por
exemplo, na cena 14 52 (Nunca saia do barco), em que os personagens saem do barco e entram na
floresta para colher mangas. Todo o estado de tensão da cena é enfatizado pela trilha sonora através
do seu silêncio gradual ( o que gera também desconforto e apreensão no espectador):
“quando Chef pára para urinar, Willard ouve um ruÃdo semelhante a alguém pisando
em folhas secas. Diante do perigo da existência de vietnamitas no lugar, Willard se concentra
para tentar achar a origem do som. A floresta se cala e a trilha sonora passa a acompanhar as
escolhar sonoras de Willard. Na revalação que o ruÃdo havia sido feito por um tigre, a
floresta volta a intensidade original.â€53
Nota-se que o silêncio é um dos principais recursos utilizados por Walter Murch para
enfatizar o trabalho de mudança de planos realizados com os ruÃdos e música do filme, é preciso
haver espaço na trilha para que o espectador receba a “menssagem†.
Existe um cuidado com a clareza sonora por se tratar do primeiro filme em 5.1 canais e tanto
o silêncio quanto os momentos de vários planos sonoros soarem muito mais definidos graças a
tecnologia dolby. Talvez sem essa definição não seria possÃvel atribuir tanto significado na trilha
através do seu timbre.
49
Minutagem: 0:04'00"
50 Assim
chamados por Jack Foley, famoso nome de Hollywood na técnica de recriar os sons da cena em estúdio.
51
Capacidade do indivÃduo de apresentar uma resposta voluntária a um estÃmulo sonoro,
ou seja, é a capacidade de selecionar estÃmulos. Fonte: Relação entre processamento auditivo e desenvolvimento da linguagem
e fala. Site: http://comunicacaohumana.com/index.php?option=com_content&task=view&id=18&Itemid=31 acessado em 5 de
Outubro de 2009.
52
Minutagem: 0:49'00"
53
MENDES, Eduardo S. Walter Murch: a revolução da trilha sonora cinematográfica. São Paulo, Revista Significação. Annablume.
Eca/USP. 2006. p. 218.
“No universo da trilha sonora, o silêncio não é, apenas, a ausência completa de som,
mas também a ausência seletiva de som. Em outras palavras, ele pode ser localizado, tal
como a ausência de som, em uma única pista. As possibilidade expressivas das combinações
de som e silêncio nas pistas de som são vastas. É possivel, por exmplo, suprimir todo o som
da pista de ruÃdo, preenchendo o vazio sonoro com música. Esse é um procedimento comum,
que costuma conferir à situação um caráter supre-real, fantástico e onÃrico. A supressão dos
sons naturalistas possui uma qualidade onÃrica, pelo fato de não ter um paralelo em nossa
experiência contidiana. É possivel, também, criar uma situação em que nenhuma palavra seja
dita, deixando o espaço sonoro totalmente preenchido por música e ruÃdos. É possÃvel criar
sem música e, é claro, outras em que não há qualquer tipo de som. No entando, esse silêncio
absoluto resulta, geralmente, em situações bastante artificiais e produz um forte impacto, em
muitos casos incômodo, no espectador.†54
Diante desses exemplos da capacidade narrativa da trilha sonora, podemos nos perguntar
novamente; é a trilha sonora uma linguagem? Assim como a trilha visual, pode-se dizer que não;
não possui articulação dupla nem sintaxe, etc. Porém certamente o seu uso narrativo é capaz de
transmitir muitas “menssagem†do seu “emissor†para o seu “receptorâ€, e nesses casos ela pode
adiquirir o status de uma linguagem limitada.
“Se a gravação sonora é como uma linguagem neste sentido – que ela transmite uma
latente subjetividade espaço-psicológica, que pode ou não mimicar aquela da experiência
diária – então o que é mais importante para uma crÃtica e histórica consideração das práticas
sonoras em filme será uma detalhada análise de diferentes estratégias do uso do som.â€55
Esclarecida a relação entre som a imagem que compreende-se neste trabalho, serão
analisadas algumas cenas do filme, que exemplifiquem a capacidade narrativa da trilha sonora, mas
antes cabe o olhar especÃfico na trilha musical original.
3.2 Trilha Musical de Apocalypse Now
No filme Apocalypse Now a trilha músical original não é uma peça músical “completaâ€,
como nos moldes da música do filme Metrópoliz, de Fritz Lang, que era executada durante todo o
filme, e se expressava pela sua forma músical em relação as imagens e o roteiro, ela é apresentada
em caráter de música de fundo56, ou seja, sem inÃcio ou fim definido, contribuindo mais com a sua
sonoridade do que com a sua estrutura para a expressividade da trilha sonora como um todo, porém
se mostra muito impactante nos seletos momentos em que é usada, pelo contraste que a sua
presença em primeiro plano gera na trilha sonora, onde predominam os ruÃdos ambientes.
54
CARRASCO, Ney. Sygkhronos. São Paulo. Fapesp. 2003. p.169.
55
WILLIANS. Alan. Is sound recording like a language? . Yale French Studies No.60. Yale University Press.1980. p. 51-56.
56
CARRASCO, Ney. Sygkhronos. São Paulo. Fapesp. 2003. p. 172.
“O caminho da música no cinema começando pelo perÃodo mudo até a maturidade
do cinema sonoro, apresenta uma tendência no sentido de reduzir a quantidade de música e,
conquentemente, de se preocupar mais com sua expressividade. Havendo menos música, seu
impacto tornou-se, ao mesmo tempo muito maior, ampliando a capacidade de expressão
audiovisual. A música no cinema caminhou no sentido da redução e não do acúmulo.†57
Os temas e melodias foram escritos por Carmine Coppola, e a sua execução foi realizada por
um pequeno grupo de músicos tocando sintetizadores, porém o seu estilo de composição é erudito e
os timbres se assemelham ao de instrumentos de uma orquestra sinfônica. O caráter eletrônico da
musica certamente é impactante ao espectador, condizente com a trilha de ruÃdos super trabalhada, e
também casa com a fotografia do filme, que é de cores saturadas e contrastantes.
"O conceito de Francis sobre a trilha musical evoluiu quando ele começou a
trabalhar no filme. Carmine recorda: "No princÃpio, Francis viu que ele teria que ir além do
rock and roll. Ele queria algo operÃstico e sinfônico. Queria combinar a música popular com
a música simfônica para destacar a emoção dramática". Francis concebia uma trilha musical
que não fosse separada dos diálogos e efeitos de som, mas era parte de uma montagem em
constante evolução a partir de outros elementos das trilha sonora. (...) "Desde o inÃcio,
Francis sabia que as metralhadoras tinha de se tornar o baixo ostinato, e o gemido das balas a
linha melodica secundária" 58
Dentro da trilha sonora de Apocalypse Now, a música original é mais um dos elementos
usados com importância narrativa, junto com os sons ambientes, efeitos sonoros especiais, sons de
foley, etc. Irá ocupar o primeiro plano principalmente nos momentos em que se deseja criar uma
suspensão na linha do tempo, ou uma sumarização ("quando uma determinada duração ficcional é
representada resumida, sumarizada59"), como acontece nos momentos em que Willard está lendo o
dossiê de Kurtz, ou nas mudanças de cenas que são realizadas com sobreposições de imagens do
barco avançando pelo rio, quando nota-se a afinidade que o timbre dos sintetizadores tem com o
som do motor do barco e com os sons ambientes da floresta, de forma que o próprio ritmo dos
insetos e passáros se encaixam entre as notas musicais. Obviamente esses sons não deviam estar
previstos nas partituras da música original, porém este conceito estava previsto por Francis, e indica
que houve improvisação na hora da execução e gravação da trilha (a partir dos temas musicais
57
CARRASCO, Ney. Sygkhronos. São Paulo. Fapesp. 2003. p. 170.
58
MOOG, Bob.Apocalypse now: The Synthesizer Soundtrack. Contemporary Keyboard Musi. CMP. 1980
59
"Quase todo filme apresenta trechos da história sumarizados por meio de recursos de montagem. Basta observar que a média de
duração de um longa-metragem é de cerca de duas horas; é raro, no entanto, que a história contada pelo filme dure apenas isso.
Viagens, disputas esportivas, refeições, congestionamentos, banhos, passeios, bem como toda sorte de epsódio secundário nas vidas
dos personagens, costumam ser deliberadamente resumidos, frequentemente por meio de recortes do processo completo."
HICKMANN, Felipe. Musica Cinema e tempo narrativo. Curitiba. UFPR. 2008. p. 39.
escritos por Carmine), para que esta combinasse no filme, com as imagens e os ruÃdos. Um
procedimento diferente do tradicional da indústria, que realiza a edição dos momentos musicais a
partir de uma música já pronta, prevendo uma suspensão na trilha de ruÃdos. Este tipo de
composição e execução musical realizado na trilha musical original de Apocalypse Now, de certa
forma, remete também ao trabalho realizado pelos músicos de salas de exibição do cinema mudo,
que executavam temas pré-definidos, ao improviso, de acordo com as cenas, porém com a diferença
de ter ser realizado dentro de um estúdio, e os resultados foram gravados na trilha que acompanha o
filme.
A produção das músicas foi comandada pelo especialista em sintetizadores Patrick Gleeson
junto com mais cinco músicos que faziam experimentos com as linhas melódicas, desenvolvendo os
timbres e gravando, somando e ditando várias pistas para compor a "orquestra" imaginada por
Francis:
" Nós fazÃamos isso até que tivéssemos oito pistas. Então nós mixávamos as oito
pistas em estéreo, e apagávamos as oito. Nós elaboramos umas 100 vozes usando esta ténica.
Algumas vezes Shirley e Nyle trabalhavam junto, Shirley tocando teclado enquanto Nyle
tocava o seu EVI 60. Bernie frequentemente trabalhava com Andy Narrel para produzir linhas
de timbres complexos. Patrick em contramão, geralmente preferia trabalhar sozinho, usando
tecnicas que ele desenvolveu em seu próprio estúdio. Como ele mostra "Eu tenho um teclado
EMU onde eu posso armazenar muita coisa na memória. Primeiro eu carregava as notas na
memoria e deixava executando enquanto eu trabalhava com os movimentos que eu queria no
painel. Uma vez pronto eu tocaria manualmente sobre a pista que os sinstetizadores tinham
gravado. As pistas nessas fitas tendem estar desorganizadas e fragmentadas, o trabalho de
Rubinson era mixar estas fitas de 24 pistas em um grupo de pistas em uma nova fita para que
então a) Os timbres fossem agrupados de uma maneira que fizesse sentido musical (timbres
de cordas em um grupo, timbres de sopro em outro, etc) e b)o nÃvel de balanço estivesse
aproximadamente correto na nova fita." 61
Mais adiante, é feita uma análise da cena 22 (Do Lung), justamente por se tratar de uma
cena isolada dos restante do filme, conduzida principalmente pela trilha música original.
3.3 Análise das cenas
Para este trabalho foram selecionadas três cenas que concentram uma grande variedade de
técnicas e significados na trilha sonora, e espera-se com essas cenas ilustrar a função desta no filme.
60
Sintetizador comandado por instrumento de sopro
61
MOOG, Bob.Apocalypse now: The Synthesizer Soundtrack. Contemporary Keyboard Musi. CMP. 1980
Embora não exista um padrão de inÃcio ao fim, pois com uma abordagem mais profunda é possÃvel
perceber que cada cena do filme possui uma caracterÃstica estética fotgráfica, sonora e artÃstica
única, estes são alguns dos momentos em que a trilha sonora desempenha a maior importância
narrativa.
3.3.1 Esperando em Saigon
minutagem: 00:00'00" - 00:07'35"
Nesta cena inicial do filme o personagem principal Capitão Willard está em um quarto de
hotel em Saigon, aguardando ser chamado para uma próxima missão, embriagado e alterando entre
os estados de sono e vigÃlia. A cena começa com um som modificado (de caráter eletrônico) de um
helicóptero, e a imagem de um helicóptero sobrevoando árvores, enquanto esse som o acompanha
espalhando-se do canal esquerdo ao direito e também por efeito Doppler 62, não se ouve mais
nenhum outro ruÃdo do ambiente, o que junto com a edição em câmera lenta, reforça o caráter não
realista das imagens. Aos 00:30 segundos acontece uma explosão na floresta, não acompanhada de
som, e inicia-se a música "The End"63 . Conclui-se que esse trecho pertence a um sonho ou
imaginação do personagem que logo nos será apresentado em uma sobreposição da imagem da
floresta com a imagem de seu rosto. Nos momentos seguintes, a edição acompanhará o ritmo e as
letras da música (não-diegética), sem outros sons ambientes, numa forma
semelhante a de
videoclipes, "materializando a letra da música"64 , o que reforça a idéia de que se trata de uma
passagem onÃrica.
Aos 00:02'49" o ventilador, que Willard observa enquanto deitado, é mesclado com a
imagem da selva, ao mesmo tempo em que ouve-se o som sintetizado das hélices, agora estático,
sem panorama e efeito Doppler, indicando a associação que o personagem faz das pás do ventilador
com hélices de helicóptero. Aos 00:4'00" o som sintetizado é substituÃdo por um som realista de
helicóptero, acompanhado pela redução do volume da música e a inclusão de distantes sons
ambientes da cidade de Saigon (diegéticos, entram pela janela do quarto). Esta transição mostra que
62
Ver glossário.
63Banda:
64SUSSI,
The Doors;
CLEMENTE, LACERDA, MARTINS, FILHO, AZZOLINO. Videoclipe, estética e linguagem: sua influência na sociedade
contemporânea. ISCA faculdades. 2006.
Willard está acordado e traz o espectador ao ambiente do quarto de hotel. Ele se levanta, caminha
até a janela, acompanhando pelo som do helicóptero que sobrevoa o hotel, e, ao observar a cidade,
junto com um rico ambiente sonoro desta, ouve-se sua voz em narrativa, o texto que ele diz, reforça
a idéia de que os seus pensamentos estão voltados para a floresta, logo ele sai da janela e volta para
a cama, assim como sua retorna a sua introspecção, o que é demonstrado através da substituição dos
sons da cidade por sons ambientes de floresta (meta-diegéticos), que ocorre em sincrônia com a sua
fala "all I could think of was getting back in the jungle" 65. "O apito do policial se torna um grilo; as
buzinas dos carros em diferentes tipos de pássaros; e o pequeno mosquito em um grande
pernilongo"66 , confirmando o retorno do personagem ao seu estado psicológico do começo do
filme, a música volta a ocupar toda a trilha sonora, cessando os ruÃdos ambientes. Os momentos
finais da cena são uma rápida edição de imagens de Willard delirando em seu quarto e se
debatendo, acompanhando apenas pela música67 (no seu ápice de agitação) sem ruÃdos ambientes
(com exceção de um espelho que se quebra).
Esta primeira cena do filme introduz alguns dos elementos marcantes da trilha sonora de
Apocalypse Now, caracterÃsticas estilÃsticas de Walter Murch ;
"o ruÃdo diegético que se transforma na expressão dos sentimentos dos personagens,
o timbre de som que se modifica ao longo da seqüência e recria sua leitura e a construção
verossimilhante do ambiente sonoro que é sutilmente alterado para enfatizar as pequenas
nuances narrativas ao invés de se conversar na descrição topográfica e temporal" 68.
O primeiro elemento da trilha, o som de um helicóptero, será uma constante ao longo de
todo o filme, reaparecendo com diversos timbres, ora metálico e estridente conseguido através do
uso de sintetizadores, ou extremamente realista, fruto da edição de diversos mecanismos de um
helicóptero real, gravados separadamente, servindo aos diferentes ambientes fÃsicos e emocionais
propostos pelo filme. Em entrevista para Michael Jarret, Walter Murch explicou o processo:
65
Tradução: Tudo o que eu podia pensar era voltar para a selva.
66
PAINE, Frank . Sound Mixing and Apocalypse Now: An Interview with Walter Murch. em: WEIS, ELISABETH e BELTON. Film
Sound: Theory and Pratice. New York. Columbia University Press, 1985. p.356.
67
Aqui ouvimos partes vocais “Fuck youâ€, “kill, killâ€, que não estão presentes nas edições lançadas em disco dessa música, foram
incluÃdas na trilha do filme a partir das tomadas originais que Walter Murch teve acesso. Fonte: http://
apocnowfiles.blogspot.com/2007/12/apocalypse-art_17.html. Acessado em 10 de Junho de 2009.
68
MENDES, Eduardo S. Walter Murch: a revolução da trilha sonora cinematográfica. São Paulo, Revista Significação. Annablume.
Eca/USP. 2006. p. 204;
"fomos para o estado de Washington e por três ou quatro dias gravamos todos os
tipos de helicóptero. No começo do filme nós querÃamos uma aproximação mais abstrata,
pegamos o som de um helicóptero e recriamos elemento por elemento em um sintetizador.
Se você ouvir um helicóptero se aproximando a distância, passando por sobre a cabeça e se
distanciando, existem diferentes estágios que ele (o som) atravessa. Nós pegamos cada um
desses estágios e dissemos "Tudo bem, aqui ouvimos apenas o batente das hélices, não
ouvimos motor, vamos criar o batente. Então experimentamos com o sintetizador até existir
um batente que sentimos ser convenientemente abstrato mas suficientemente
helicópterÃstico. E então os outros elementos, a turbina, o ganido, o barulho do vento, e todos
os seus diferentes aspectos."69
O cuidado especial em gravar diversos sons de helicópteros ao invés de simplesmente
aplicar efeitos sobre uma única fonte sonora, vem da influência “schefferianaâ€, de que o timbre
depende de quem ouve, do lugar em que o som está sendo reverberado, "Muitos estudos
psicoacústicos nos mostram claramente que o timbre é um atributo da percepção auditiva utilizando
técnicas de análise de diferenças multidimensionais" 70 . Ainda no campo dos timbres nota-se a voz
intimista da narração de Willard, que também estará presente por todo o filme. Murch conta que
foram feitos alguns testes para se chegar a esse resultado em que o ator Martin Sheen fala muito
próximo ao microfone, seguindo as instruções para "imaginar que o microfone é a cabeça de
alguém no travesseiro ao seu lado" 71. Na mixagem de 5 canais a voz da narração vem das três
caixas traseiras enquanto todas as outras falas dos personagem vem das caixas frontais, assim tanto
o timbre da narração, quanto a sua posição especial na sala de projeção, carregam significados;
Walter Murch consegue que a voz da narração se torne completamente intimista, como a própria
voz da consciência, e a destaca dos outros elementos sonoros.
Nos momentos em que a trilha sonora é realista, recriando um ambiente sonoro como o
centro de Saigon, quando Willard olha pela janela, existe uma grande riqueza de detalhes e
utilização de muitos sons diferentes. Ouve-se buzinas, apitos de guarda, uma banda musical, vozes
de pessoas, sendo que o resultado final amplifica o valor das imagens e em poucos segundos é
passada ao espectador a impressão de que Saigon é uma cidade de grande densidade demográfica e
com muita agitação (ou pelo menos é assim que o personagem de Willard a percebe), enquanto que
visualmente se enxerga apenas uma rua, da janela do hotel. Em seguida, de volta a sua cama esse
ambiente sonoro continua (embora não se veja mais a imagem da cidade), e conforme o
personagem se volta para seus pensamentos interiores, os sons da cidade serão substituÃdos por sons
69
JARRET, Michael: an Interview with Walter Murch. Film Quarterly. Vol. 53, No. 3. University of California Press. 2000.
70